Muito interessante este artigo escrito pelo Alberto…
Uma vez perguntaram-me se a CBDA poderia fazer o que bem entendesse ao criar seus estatutos e seguir suas normas….
Eu vacilei, mas depois respondi: “- Bom, tendo em vista que a CBDA recebe dinehiro de uma estatal (sociedade de economia mista) como os Correios, creio que não. Afinal, o din-din é público.”
Mas falei isso sem o menor embasamento legal….
O Alberto fez…
Abraço!
FISCHER.
Por Alberto Murray Neto
O artigo 217 da Constituição Federal estabelece que as entidades de direito privado de cunho desportivo têm a capacidade legal de autorregulamentação. Por esse dispositivo constitucional, os clubes desportivos, Federações, Confederações e o Comitê Olímpico Brasileiro possuiriam o direito de viverem sem a interferência estatal em seus negócios, inclusive na elaboração de seus estatutos. Seguindo essa norma, tais associações desportivas ficariam sujeitas, exclusivamente, às suas respectivas assembleias gerais e às regras gerais do ordenamento jurídico do País.
Ocorre que tem havido uma interpretação equivocada, ou conveniente, da extensão do artigo da Carta. Essa regra somente é válida para as organizações de objeto desportivo, desde que o dinheiro que as financia seja oriundo de seus próprios afiliados, ou de patrocínios firmados com grupos privados. Se uma entidade desportiva de direito privado recebe dinheiro estatal para a consecução de seus objetivos, perde, incondicionalmente, a garantia de autorregulamentação.
Tomemos como exemplo duas das mais destacadas organizações desportivas do Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). No primeiro caso, a CBF não recebe um centavo sequer dos cofres públicos. Toda sua verba é proveniente de seus próprios associados e de contratos com empresas privadas. O COB é exatamente o contrário. A esmagadora maioria de sua receita provém dos cofres do Estado, seja da Lei Piva, que confere a ele 2% do total das verbas das loterias, mais os diversos repasses recebidos do Ministério do Esporte, cujas somas são altíssimas. Na prática, não fosse o Estado, o COB seria uma entidade falida.
Portanto, com relação à CBF, pode-se criticar sua gestão; mas não é viável, juridicamente, fazer com que o Estado interfira na sua administração e em seus estatutos. Já o COB, que tem como fonte de renda o dinheiro do povo, perde a condição de autonomia que lhe era garantida pela Constituição. Legalmente, isso faz uma enorme diferença.
O artigo 26 do Estatuto do COB diz que somente podem concorrer aos cargos de presidente e vice presidente da entidade os brasileiros natos que, há pelo menos cinco anos, façam parte de um de seus poderes. Veda, autoritariamente, que qualquer brasileiro capaz pleiteie, democraticamente, os cargos mais importantes da organização. O artigo 26 é flagrantemente inconstitucional. Como é possível que uma entidade que vive de dinheiro público impeça que o povo que a sustenta candidate-se aos seus cargos de presidente e vice presidente? É um casuísmo jurídico que visa a manutenção de um só grupo no poder, o que merece ser questionado na Justiça. Igualmente, pelo artigo 4º do Decreto 5.109, o COB está obrigado a licitar publicamente todos os seus serviços e negócios contratados com terceiros, o que lhe confere, com muito mais força e clareza legal, a natureza jurídica de coisa pública.
Qualquer cidadão brasileiro pode questionar na Justiça a constitucionalidade do artigo 26 do Estatuto do COB. E ao Ministério Público também é facultado ingressar com Ação Civil Pública.
Alberto Murray Neto é advogado de Paulo Roberto Murray – Advogados, em São Paulo.