DO BLOG DO GUSTAVO GITTI…

Gustavo Gitti tem formação em filosofia e pedagogia pela USP, já foi editor do Portal do SESC São Paulo e agora dedica-se ao Não2Não1 e a outros projetos. Escreve também para o Papo de Homem e para a revista Bodisatva.

NOTA (ANTECIPADA) DO FISCHER:

Apesar de não concordar 100% com o texto do Gustavo, ele ainda é, bem interessante e vale a leitura. Tem muito fundo de razão. Recebi de um amigo meu por e-mail e ele disse assim: “- Fischer, estou te mandando porque sei que você odeia um (BBB) e adora o outro (HOUSE)”.

Big Brother Brasil 10 e House M.D.: o que é mais real?
via Papo de Homem – Lifestyle Magazine | A única revista que os homens lêem todos os dias de Gustavo Gitti em 13/01/10

Ontem assisti à estreia do BBB 10 e logo depois vi o episódio 11 (o meu release era S06E10) da sexta temporada da série House. A comparação foi inevitável, a ponto de compartilhá-la no Twitter:

“Vi House.S06E10 e lembrei do BBB10. Mundo louco: tem mais humanidade e realidade numa coisa inventada do que numa real. Baudrillard explica.”

Agora vou avançar um pouco nessa ideia e depois quero ouvir vocês. Meu interesse, como sempre, não é fazer julgamentos sobre os participantes do BBB ou analisar o programa, mas apontar para processos que ocorrem o tempo todo em nossa própria vida. E prometo não citar Baudrillard. 😉

BBB: a artificialidade vem mesmo da presença das câmeras?

Eu assisti às 3 primeiras edições (Kléber Bambam, Rodrigo cowboy, Dhomini que pegou a Sabrina Sato) como um verdadeiro fã. Na época, debatia com todos que se negavam a reconhecer o aspecto social e psicológico do programa.

Eu não me interessava apenas para entender como tantos brasileiros eram hipnotizados pelo BBB, mas porque tinha uma hipótese: ao ver brigas e oscilações emocionais estampadas na tela da TV, talvez pudéssemos rir com mais facilidade de nossos próprios conflitos e perturbações. Se já fazemos isso com ficção (livros e filmes), então algo real seria ainda mais eficaz.

Link YouTube | BBB 2: Tina bagunça a roupa de todos no quarto. Genial. (http://www.youtube.com/watch?v=LTWLpr6_Tfs)

Infelizmente isso não aconteceu pois as histórias ficaram cada vez mais artificiais… A explicação usual para isso é: fica artificial porque todos sabem que estão sendo filmados. Eu discordo.

As edições seguintes do BBB já aconteceram na era do Orkut (lançado em 2004), com uma cultura de exposição já compartilhada por grande parte dos brasileiros. E as edições mais recentes nasceram em tempos de Twitter, de exposição instantânea. Portanto, não faz sentido alegar que as pessoas agem de modo artificial no BBB apenas porque sabem que estão sendo filmadas.

Se é assim, então todos nós agimos artificialmente pois a câmera pós-moderna é onipresente para quem vive conectado à Internet. Vivemos cada vez mais sob constante exposição, mas nem por isso perdemos realidade. O mesmo acontece com grandes homens cuja vida é altamente registrada e comentada, como Chico Buarque, Steve Jobs ou Sua Santidade o Dalai Lama. As câmeras não os deixam menos reais.

O aspecto artificial, fake, do grupo BBB deve-se a outro fator, evidenciado pela fala de uma das participantes ontem; algo assim: “A gente vai arranjar um casinho ou outro, vai brigar, vai se adorar, mas no fundo todos estão aqui em busca do prêmio”. Complemento: não só do prêmio, mas da fama.

A primeira leva de participantes parecia mais real não porque desconhecia o tamanho da exposição, mas porque não desconfiava da enorme transformação pós-BBB (dinheiro e fama), uma inocência já perdida nas edições seguintes. Mas o que isso tem a ver com a aparência artificial dos participantes?

Para nós, telespectadores, eles parecem artificiais na medida em que não se movem por conta própria. Humanos tem a capacidade empática de reconhecer intencionalidade no outro e por isso imediatamente desconfiamos da humanidade de um robô, de uma janela, do George Bush ou de um participante do BBB, ainda mais quando eles são usados como objetos em provas sem sentido, correndo sobre rolos, como fazemos com ratos.

Link YouTube | Prova do líder (ontem no BBB) – (http://www.youtube.com/watch?v=4bFqwoCEGbY)

Além de ter seus corpos movidos como uma peça de xadrez por algo externo (que não se reduz à Rede Globo, mas é um gigante sem rosto), a artificialidade é também causada pelo fato de estarem se movendo em busca de algo externo: dinheiro e fama (outro gigante sem rosto). Se você encontrar com alguém e perceber que a pessoa está falando com você apenas para conseguir outra coisa, automaticamente ela perderá autenticidade, presença e, por consequência, realidade.

É como se ela não estivesse ali, como se tivesse sido pré-programada. Tudo o que ela disser soará falso, artificial, fictício, montado, automatizado, produzido, ilusório, irreal.

Ausência de autonomia (ser movido) e de presença (apenas olhar para a cenoura à frente) é isso o que acontece com o BBB e com vários de nós, fora da tela.

House: se é tudo ficção, por que parece tão real?

Sob tal perspectiva, tanto faz se uma história é escrita, dirigida e atuada ou se é vivida de fato. Nosso passado às vezes é menos real do que o filme que passa agora na tela. Tanto faz se há câmeras ou não, se aquilo tem script ou não, se “aconteceu de fato” ou não. É por isso que alguns personagens nos parecem mais reais do que algumas pessoas que encontramos por aí.

O que faz algo ser tomado como real é sua qualidade de autêntico, intencional, transparente – sua autonomia, sua presença. Quando conhecemos uma garota e depois nos casamos, o “marido” é um personagem tão real ou tão construído quanto o “Dr. House”: o que importa é a autenticidade, o fato de sabermos que aquilo é construído, não escondermos sua artificialidade e, mais ainda, usarmos tal ilusão para viver e proporcionar experiências reais. O casamento (e qualquer relação) é uma montagem, assim como é um filme.

Link YouTube | “I need the drugs!” (http://www.youtube.com/watch?v=rDm7TdbOi0A)

Um ótimo exemplo é a cena em que House grita “I need the drugs” e logo em seguinda ironiza: “Hum… works for Jack Bouer”.

Não é engraçado porque o personagem faz referência a outro personagem, mas porque o ator faz referência a outra série, dissolvendo a realidade de si mesmo. Como não conhecemos nada de Hugh Laurie, é como se House fosse ator de si mesmo, como se interpretasse incessantemente a si mesmo, sabendo disso e sabendo que sabemos também.

Ora, é precisamente isso que acontece conosco! Interpretamos cada uma de nossas identidades: o marido, o empregado, o chefe, o pai, o amigo… E somos autênticos na exata medida em que nos reconhecemos como atores brincando de realidade, não como personagens reais.

O que acontece no BBB é o perfeito oposto disso: em vez de evidenciar e admitir a artificialidade, ao mesmo tempo em que se cria conexões autênticas e transparentes usando essa própria artificialidade, os participantes fazem questão de afirmar que são assim mesmo, que esse é o seu jeito, que eles não estão sendo falsos, que são como são, reais.

Ora, dentro ou fora do BBB, com ou sem câmeras, ninguém é real. Ironicamente, quando você tenta parecer real, eis o momento em que mais se torna artificial. Nosso aspecto ilusório precisa ser evidenciado e usado de modo transparente para que surja autenticidade, confiança e realidade.

Não é por acaso que isso funciona tão bem em uma série de TV como Lost (que, de fato, produz um mistério maior do que aqueles dos casos policiais do mundo real) ou House. Em nenhum momento eles se vendem como realidade, em nenhum momento esquecemos que é tudo ficção, mas por isso mesmo a relação que os personagens estabelecem conosco é muito próxima, verdadeira, real.
Quando um episódio acaba, ligamos a TV e vemos um repórter falando sobre algum caso policial: “É triste, é real, aconteceu de fato”. E aquilo parece menos real do que a morte que nos fez chorar na série.

Linguagem jornalística aplicada ao BBB. Surreal.

Por que perdemos tanto tempo vendo e falando sobre o BBB?

Talvez um psicanalista meio ácido diga que tiramos sarro dos participantes do BBB como um modo de aliviar nossa culpa por vivermos igualzinho eles: sendo movidos por um gigante sem rosto em busca de dois outros gigantes sem rosto, dinheiro e fama, fingindo que estamos nos divertindo.

Ou talvez um professor de meditação budista pense que estamos apenas nos enchendo de entretenimento e distração para adiar a lembrança de nossa morte e, principalmente, não encarar nosso tédio e nossa solidão.

Eu concordaria com ambos e acrescentaria o seguinte.

Nós todos temos um medo danado de perceber que grande parte do que fazemos não leva a lugar algum, não tem sentido, não enriquece a vida de ninguém e às vezes só traz mais confusão ao mundo.

Meu amigo, por exemplo, gastou R$ 135,00 em bebidas quarta passada e acordou se sentindo um lixo, sem saber por que raios bebeu tanto e sem lembrar como voltou dirigindo pra casa. Eu também, várias vezes me flagrei perdendo tempo na vida. A mais significativa, talvez, foi quando percebi, em 2006, que estava trabalhando 8h por um dia para movimentar uma empresa falida que não contribua em nada para a vida de ninguém além dos funcionários.

E então surge o BBB, a maior perda de tempo possível. Uma puta movimentação, milhares de inscritos, os primos nerds que editaram o vídeo de inscrição, grana, servidores, publicidade, 3 meses de 12 vidas confinadas, câmeras, diretores, redatores (olhe a quantidade de notícias que jã estão no site em menos de 24h de programa)… Para nada. Absolutamente nada.

Sem falar dos prêmios e do R$ 1.500.000,00… Com essa movimentação e com essa grana, seria possível criar inúmeros grandes projetos, beneficiando milhares de pessoas.

Como muita gente perde tempo vendo na TV como outros estão perdendo tempo também e depois perde mais tempo discutindo no Twitter, fica mais fácil se juntar ao movimento, perder tempo coletivamente, e assim se sentir menos mal com nossa própria perda de tempo cotidiana.

Por que ver House não é perda de tempo

Assistir House pode até ser perda de tempo, dependendo do contexto, mas em geral não é.

Link YouTube | House fingindo que é gay. Hilário. (http://www.youtube.com/watch?v=M2Ap3wp290Q)

House nos lembra, todo santo episódio, de nossa própria morte, de como nossas visões podem ser estreitas, de como é melhor sempre jogar de modo transparente com nossos demônios, desconfortos, pecados e embaraços, de como podemos brincar com a vida e movimentar tudo ao redor (só assistindo pra entender), de como levamos tudo muito a sério (nesse último episódio acontece uma brincadeira genial sobre o salário do Foreman, com um desfecho genial), de como a Thirteen é linda… 😉

É isso. Fica a sugestão: se é pra ficar parado vendo uma tela, que seja algo humano e real (com personagens autênticos, autônomos e imprevisíveis, tão ilusórios quanto nós). Algo que nos lembre de nossa própria morte e que nos faça perder menos tempo na vida.

About Eduardo Fischer

Eduardo Fischer é catarinense e natural de Joinville. Ex-Atleta Olímpico de natação da seleção brasileira e medalha de bronze no Mundial de Moscou, Fischer defendeu o país em dois Jogos Olímpicos (Sydney/2000 e Atenas/2004), 6 Campeonatos Mundiais e 1 Pan-Americano (Prata e Bronze). Bacharel em Direito e Advogado pela OAB/SC, Eduardo é especialista em Direito Empresarial pela PUC/PR e em Direito Tributário pela LFG/SP. Atualmente aposentado das piscinas, trabalha com Consultoria Tributária em um respeitado escritório de Advocacia (CMMR Advogados).

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