Circus do Dr. Adauto Suannes.
UM ABRAÇO!
FISCHER.
“No mês passado o Fulano estava no mercado municipal quando viu no final do corredor um amigo da época de escola, que não encontrava há séculos. Como usa óculos de grau, tipo fundo de garrafa, chegou perto, para não se meter em confusão. Feliz com o reencontro, aproximou-se dele, de braços abertos, exclamando:
– Oswaldo, sua bichona! Há quanto tempo!
E foi com a mão estendida para cumprimentá-lo. Percebeu então que o Oswaldo o havia reconhecido, mas, antes mesmo que pudesse chegar perto dele, viu seu braço sendo algemado.
– Você vai pra delegacia!, disse-lhe o policial que faz ronda no mercado.
Sem entender nada, ele tentou argumentar:
– Mas o que eu fiz de errado? Dei assessoria a alguma empresa quando era deputado? Matei minha amante há mais de dez anos? Assediei minha camareira? Matei 8.000 muçulmanos na Bósnia? Levei o Mappin à falência?
– Homofobia! Bichona é um termo pejorativo. O correto seria chamá-lo de homossexual grande. Crime inafiançável.
Nessa hora, antes mesmo de ele defender-se, o Oswaldo interferiu tentando argumentar:
– Que é isso, meu chapa. O quatro-olhos aí é meu amigo antigo de escola. A gente se chama assim na camaradagem mesmo!
– Ah, então você estudou vários anos com ele e sempre se trataram assim?
– Isso, doutor. É coisa do tempo de criança!
Nessa hora o policial já emendou a outra ponta da algema no Oswaldo:
– Então você tá detido também.
Aí foi a vez de o outro intervir:
– Mas, meu Deus, o que foi que ele fez?
– Bullying! Chamar alguém de “quatro-olhos”, por vários anos, durante todo o tempo de escola, é bullying. Também inafiançável.
Oswaldo então se desesperou:
– Que é isso, seu policial! A gente é amigo de infância! É um desses amigos de quem perdi o contato mas estimo até hoje. Vim aqui comprar umas carnes para um churrasco com outro camarada, nosso colega, que pode confirmar tudo!
Nessa hora ele viu o Jairzinho chegando perto, com uma posta de alcatra na mão. Sem entender nada, ao ver o Oswaldo algemado, o Jair chegou falando, no seu jeito debochado:
– Que porra é essa, negão? Que foi que tu aprontou aí?
E aí não houve jeito. Foram os três parar na delegacia e estão respondendo a processos por homofobia, bullying e racismo.
“Nos dias de hoje é um perigo abrir a boca. Melhor fingir que sou norte-americano”, explicou ele à moça. “Pior é que no carnaval conheci um baiano em Salvador que é uma glória. Que Pelé, que nada. Aquilo é que é um superdotado.” Olhou para um lado, depois para o outro. “Chamar alguém de baiano pode?”
A moça saiu correndo em direção ao fim do corredor, onde havia uma janela escancarada. O que ela não sabia é que logo abaixo da janela havia uma plataforma que, certamente, ampararia seu corpo se por ali ela se atirasse”.